Customer Development: o processo para se chegar ao Product/Market Fit
A indústria de software é pródiga em criar processos e intensos debates sobre práticas de desenvolvimento de produtos. Nesse campo, não faltam conceitos e ferramentas para guiar os programadores, designers, gerentes de projeto, etc., independentemente de sua “ideologia”. Mesmo para projetos de bens físicos e manufatura (e até pela minha pouco usada formação de Engenharia), pude constatar que há à disposição do empreendedor um arsenal de ferramentas para gerenciar o aspecto técnico de uma Startup de tecnologia.
Por outro lado, não há o mesmo aparato para se desenvolver o lado mercado de uma Startup com essa natureza. A deficiência é mais evidente se os empreendedores são de formação na área tecnológica (grande maioria nesses casos). Inclusive, aqui no Brasil alguns programas de fomento – como o Prime da FINEP, por exemplo – reconhecem essa deficiência e tentam de alguma forma preencher essa lacuna.
No entanto, o empreendedor que se aventurar na área da administração geralmente vai encontrar uma série de ferramentas “pesadas”, pouco adequadas à natureza caótica de uma empresa inovadora nascente. Pior, as técnicas de gestão tradicionais são pouco úteis para ajudar a superar o principal desafio das Startups: encontrar mercado para o produto visionário.
É neste contexto que se encaixa o modelo de Customer Development do Steve Blank. Da mesma forma que Marc Andressen, Steve identificou que as Startups bem sucedidas só alcançaram sucesso por terem sido capazes de encontrar o Product/Market Fit, muitas vezes tendo que recorrer a mudanças significativas na sua proposta inicial. Mais do que isso, ele analisou as limitações do modelo tradicional de gestão nas Startups e desenhou um processo para ser aplicado de forma paralela ao desenvolvimento do produto, dando aos empreendedores um processo para minimizar os riscos de mercado relacionados a sua visão.
O que é Customer Development?
Essencialmente, Customer Development é uma metodologia para a Startup achar o Product/Market Fit.
É um processo iterativo que parte da premissa que “os fatos estão fora do escritório, dentro dele só existem opiniões”, e que o empreendedor deve buscar o quanto antes validar suas hipóteses fundamentais do mercado.
O modelo é composto de quatro passos, que devem ser aplicados com rigor nos objetivos, mas com flexibilidade nos métodos, de acordo com o tipo de negócio da Startup. A figura abaixo ilustra essas etapas:
Resumidamente, a descrição de cada passo é a seguinte:
– Customer Discovery: Testes das hipóteses de mercado e entendimento dos problemas dos clientes pelos fundadores, checando se o produto proposto atende essas necessidades de forma satisfatória. Busca responder a questão: os clientes querem o seu produto?
– Customer Validation: Validação do processo de vendas e distribuição do produto, onde se desenvolve um modelo de negócio replicável e escalável. Busca responder a questão: os clientes efetivamente pagam pelo seu produto?
– Customer Creation: Criação de demanda para escalar as áreas de Marketing e Vendas. É a etapa (e só aqui) onde é feito o Marketing Launch.
– Company Building: Criação e prática de processos para “azeitar a máquina”, finalizando a transição de uma organização focada no aprendizado para uma focada na execução. É a fase onde a empresa tem o desafio de crescer e chegar ao público mainstream (problema melhor trabalhado por Geoffrey Moore no livro Crossing the Chasm).
Aprendizado vs. Execução
O modelo de Customer Development divide a Startup em duas fases principais, com mindsets completamente diferentes.
A primeira fase (Customer Discovery e Customer Validation) é a fase da Procura do Negócio. É uma fase iterativa, focada no Aprendizado. Nesta fase, a Startup deve manter a agilidade e baixo custo até encontrar o Product/Market Fit.
A segunda fase (Customer Creation e Company Building) é a fase para Crescimento do Negócio, onde o foco passa para a Execução. Depois de achar Product/Market Fit e um modelo escalável de vendas, é a hora certa para pisar no acelerador e ampliar os investimentos. Especialmente aqui no Brasil, onde os investidores são menos aversos a risco, também é a hora mais indicada para buscar (e gastar) Venture Capital. Como diria Guy Kawasaki, “it shows traction”.
A maior contribuição do The Four Steps to the Epiphany está no conceito geral de Customer Development e nas práticas oferecidas para os dois passos iniciais (Customer Discovery e Validation). Essas técnicas podem ser alteradas de acordo com o tipo de negócio da Startup, mas as entregas (deliverables) de cada passo são muito bem definidas.
No passo de Customer Discovery, o objetivo é encontrar o Problem/Solution Fit, provando que há de fato uma necessidade em um mercado grande o suficiente, e que o produto de fato atende essa necessidade. Para Startups de Web, Sean Ellis tem uma métrica muito interessante para esse Problem/Solution Fit: 40% dos seus usuários/clientes atuais ficariam muito desapontados se o seu produto não existisse mais. (em posts futuros vou cobrir com mais detalhes o ótimo conceito da Startup Pyramid do Sean Ellis)
Já para o Customer Validation, o objetivo é encontrar um modelo de vendas replicável e escalável. É aqui que se prova que o cliente de fato paga pelo produto, e que há uma maneira rentável de se adquirir e manter consumidores em larga escala. Essa validação do modelo de negócio como um todo é o gatilho para Startup passar do modo Aprendizado para o modo Execução.
Observações gerais
Esse post não entra nos detalhes de cada passo do processo de Customer Development, mas farei esse trabalho futuramente aqui no blog, complementando com contribuições ao modelo de pessoas como Sean Ellis, Eric Ries, Andrew Chen, e outros. Independentemente disso, a leitura do livro do Steve Blank é altamente recomendada.
Ainda assim, o rigor do processo de Customer Development assusta alguns empreendedores, especialmente os de primeira viagem, que não entendem na prática a dificuldade de se encontrar o Product/Market Fit e preferem acreditar no “build and they will come“. Não é à toa que o próprio Steve Blank já disse que os empreendedores que melhor internalizam e praticam a ideia do Customer Development são aqueles que já falharam na criação de empresas e produtos (meu caso também). Para quem ainda não está convencido, sugiro ler esses outros relatos aqui, aqui e aqui.
Para finalizar, deixo abaixo um vídeo recente (com slides) onde Steve Blank fala um pouco sobre a história de como ele chegou ao processo de Customer Development, cita algumas contribuições ao modelo que já foram introduzidas por terceiros, e finaliza com uma ideia de para onde isso tudo está indo. Vale notar a ênfase na contribuição do Eric Ries com o framework da Lean Startup, tema que será assunto do próximo post aqui.
Autor: Eric Santos
Fonte: Manual da Startup