O que há de errado com o modelo de Product Development
Argumentei anteriormente que a adoção do modelo de Product Development tradicional tem sido um dos principais responsáveis pelas Startups não encontrarem Product/Market Fit. Porém esse modelo não se consolidou sem méritos. Ele ainda atende muito bem as Startups que estão mirando mercados mais maduros, com definições de problemas e soluções bem conhecidos, e especialmente desenvolvendo produtos com uma maior necessidade de capital e tempo (ex. desenvolvimento de fármacos).
No entanto, essa não é a natureza da maioria das Startups atualmente, principalmente aquelas com forte presença Web. Para esse outro grande grupo, o maior componente de risco é de mercado, e não tecnológico. Os empreendedores têm como desafios principais encontrar um produto que atenda uma necessidade real de um grande mercado, um modelo de negócios que seja lucrativo e escalável, e especialmente nas Startups de consumer Internet, descobrir uma forma de aquisição de clientes/usuários para atingir massa crítica. Nesse caso, “it´s all about distribution”.
Apesar do framework de Product Development ter sido concebido para guiar os engenheiros no desenvolvimento de produtos, as Startups acabam usando esse modelo também para gerenciar o timing dos outros aspectos da empresa: vendas, marketing, parcerias, recrutamento, captação de investimentos, etc.
No livro e nesta série de posts como manifesto, Steve Blank dá explicações detalhadas dos problemas que há no modelo de Product Development tradicional e porque ele não atende os principais componentes de risco das Startups, mas faço abaixo um resumo dessas justificativas com algumas adições:
Cultura baseada em opiniões, não em fatos
O modelo atribui o primeiro release público do produto (first customer ship) como meta principal da Startup, e a partir daí o trabalho é planejado “de trás para a frente” para se construir a estrutura necessária para o lançamento. A empresa começa a operar com uma séria de premissas do Plano de Negócios sobre as necessidades dos clientes, funcionalidades do produto, canais de distribuição, estratégia de marketing e vendas, projeção financeira, etc., que nada mais são do que hipóteses (para não dizer “chutes”) baseadas principalmente em opiniões dos fundadores.
Empreender já é muito desgastante emocionalmente, e os empreendedores tendem a proteger a sua ideia e planos de qualquer feedback negativo, guardando o “julgamento final” para o lançamento do produto. Há pouca ou nenhuma preocupação em testar e validar essas hipóteses no mercado desde o início.
Foco na Execução, e não no Aprendizado
Especialmente após a captação de investimento, a Startup começa a trabalhar em “modo de execução”. O empreendedor, mesmo sabendo que o Plano de Negócios contém uma série de hipóteses baseadas em chutes (ex: planilhas mágicas no Excel), tem o habeas corpus para usá-lo como referência no dia a dia, já que foi o instrumento utilizado para convencimento dos investidores. Estes, por sua vez, também utilizam o Plano de Negócios como ferramenta para acompanhamento dessa execução, e o progresso da Startup é medido pelo avanço nas etapas deste plano, preferencialmente dentro dos prazos acordados. Em suma, os dois lados não se questionam, antes de tudo, se aquele é um bom plano para se seguir.
Essa postura de “modo de execução” combinada com a falta de validação das premissas faz com que a empresa trabalhe em alta velocidade e sem mecanismos de feedback externos. Mesmo nas Startups que utilizam metodologias ágeis de desenvolvimento, apesar dos releases de software serem menores e mais constantes, geralmente o loop de feedback fica restrito à equipe dentro da própria empresa até a abertura do produto para os testes alpha e beta. Em paralelo, as equipes de marketing e vendas trabalham na elaboração de materiais institucionais e de apresentação do produto, campanhas de publicidade, assessoria de imprensa e parcerias diversas, tudo isso operando sobre as premissas descritas no Plano de Negócio e dentro de um vácuo de feedback real do mercado.
Crescimento prematuro
A total confiança sobre as premissas do negócio faz com que todas as atenções da Startup fiquem voltadas para o lançamento bem sucedido do produto. Essa necessidade de impacto é ainda maior quando a empresa consegue levantar Venture Capital, o que automaticamente aumenta o teor da aposta. A Startup é “obrigada” a gastar, empregando o capital no aumento da equipe (técnica, finanças, marketing, etc.), infra-estrutura (escritório, PCs, servidores, etc.), criação e mídia para as ações de marketing, estrutura de atendimento e suporte, entre outras despesas fixas e variáveis, tudo para aumentar as chances de sucesso do produto pós-lançamento.
O problema é que, quando o produto é colocado à prova real do mercado, parte das premissas do Plano de Negócios inicial não se mostram verdadeiras, e as projeções (principalmente de vendas/receitas) acabam não se concretizando plenamente. As causas podem ser inúmeras: falta de demanda real no segmento escolhido, posicionamento mal-definido, má priorização de funcionalidades, preço não adequado, estratégia de marketing ineficiente, etc. O problema é que, devido à grande estrutura criada por antecipação e o consequente nível das despesas (burn rate), a Startup fica com pouco tempo e agilidade para iterar e descobrir o que estava de errado no plano. Isso sem mencionar que, dependendo do problema, em alguns casos fica bastante difícil “voltar atrás”. (Steve ainda brinca que, nesses casos sem volta, a Startup em pouco tempo entra na Espiral da Morte)
Mesmo no Brasil, onde esse crescimento prematuro é um “problema” que poucas Startups têm (já que o Venture Capital por aqui é escasso), já acompanhei esse processo de perto algumas vezes. A questão obviamente não é sobre o Venture Capital em si, mas sobre o momento correto para que a Startup possa acionar o “modo execução”, questão que será assunto de posts futuros aqui no blog.
As Startups não são todas iguais
Por fim, outro problema do modelo tradicional de Product Development é que ele não faz distinção entre os diferentes tipos de Startups que existem. Tipo de produto, grau de inovação tecnológica, posicionamento estratégico, tipo de cliente (B2B, B2SB, B2C, B2G), características do segmento vertical e modelo de negócio escolhido alteram radicalmente as estratégias de desenvolvimento e ida para o mercado de uma Startup.
Em suma, o modelo de Product Development tradicional presume que tanto o Problema (necessidade do cliente) quanto a sua Solução (produto) são conhecidos. De fato, ele funciona muito bem nessas condições. No entanto, parafraseando Eric Ries, “a Startup is a human institution designed to deliver a new product or service under conditions of extreme uncertainty”.
O conceito da Lean Startup abraça essa incerteza e parte do princípio que tanto o Problema e a Solução são desconhecidos. O próximo post tratará sobre o processo que Steve Blank denominou Customer Development, que tem como objetivo resolver o lado do Problema desta equação.
Autor: Eric Santos
Fonte: Manual da Startup